Windeck - O Preço da Ambição

NTV escreveu:Joana Jorge: "A novela que estou a fazer tem de ser a melhor até escrever a próxima"

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Autora de Windeck - O Preço da Ambição não se deixou deslumbrar com a nomeação da novela angolana para um Emmy Internacional. Joana Jorge fala da sua experiência em terras africanas, das diferenças entre culturas e recorda o início de carreira.


A novela que assina, Windeck - O Preço da Ambição, foi nomeada para um Emmy este ano. Como reagiu quando soube?

Confesso que a primeira reação foi um bocadinho pragmática. Quando soube que tínhamos sido nomeados não tinha a noção real da dimensão. Mas foi um orgulho enorme e um choque ao mesmo tempo. Esta foi a primeira novela da Semba, e a primeira grande aposta da ficção. Todos os primeiros filhos de uma produtora são sofridos, o arranque de um projeto é sempre uma maratona, e para mim uma novela também é uma maratona, depois há os cem metros [risos].

Está a falar das séries...

As séries, as peças de teatro são temporalmente mais curtas. Também exigem muita dedicação, mas são mais pequenas, não têm uma duração de nove ou dez meses, todos os dias, quase 24 horas por dia. Por isso quando soube que tínhamos sido nomeados foi um momento de grande felicidade. Ligaram-me de Angola, superfelizes. Na altura estava com outro projeto em mãos, parámos o que estávamos a fazer e aproveitámos o momento. Houve alguma euforia, mas nada de festas nem cocktail, há uma vontade muito grande de trabalhar e de fazer coisas diferentes. Acho que esta nomeação funcionou como uma motivação extra para os projetos que estão em curso para serem ainda melhores do que o Windeck.

O facto de a primeira novela que fizeram ter sido logo nomeada significa que estão no bom caminho?

Teve um sabor diferente por ser a primeira, o que nós sentimos foi que quando nos dedicamos às coisas e nos concentramos mais no trabalho e menos noutras coisas, o resultado é positivo. Empenhámo-nos muito a fazer a novela para os angolanos, mas dando-lhe características internacionais. Nós não temos uma máquina como a Globo que nos suporte, ficámos surpreendidos porque é raro estas coisas aconteceram logo no primeiro projeto. O caminho é longo e trabalhoso. Para fazer televisão é preciso muito esforço. É preciso uma dedicação extrema, tudo o que se vive, até nas nossas vidas pessoais, nos ajuda a construir personagens. Nunca conseguimos desligar. O caminho que está para a frente é de trabalho, esforço e sacrifício que pode trazer mais frutos bons.

Como nasceu este projeto?

O projeto nasce de uma grande vontade de Coréon Dú, o nosso diretor criativo. Ele queria apostar em ficção. Depois há uma partilha entre mim e ele. Quisemos mostrar uma Luanda cosmopolita como ela é hoje, contrariar um pouco a ideia de se associar Angola, Luanda, a África. A ideia que as pessoas têm de África não é de glamour, mas em Luanda isso existe. Aquelas pessoas vestem-se bem, são preocupadas com sua imagem e carreira. Luanda é uma cidade do mundo, já não é fechada sobre si própria. Hoje em dia andamos na rua e encontramos pessoas de todo o lado, com as mais diversas profissões. Há alguns problemas relacionados com Luanda ser um país jovem, de terem passado muito poucos anos de independência, se nós formos fazer a comparação, isso faz que problemas como o alcoolismo, os acidentes de viação, a violência doméstica estejam ainda muito presentes.

A Joana não vivia em Luanda, nem tem familiares lá. Para escrever a novela, o que fez para aproximar ao máximo a realidade que se vive com a ficção?

Não tinha qualquer relação, nem ninguém da minha família com descendência africana. Antes de começar a escrever o Windeck estive uma temporada bastante grande e ainda hoje faço viagens regulares. A novela também tem um lado aspiracional, ponho-me no lugar do espectador e não quero chegar a casa e ver apenas o que se passa nas minhas quatro paredes, por exemplo, quero ver aquilo que gostava de ter. Isso facilita o trabalho do autor. Obviamente que há características da realidade angolana que só consegui, além de ter consultores, depois de ter estado em Luanda. Fiz muitas entrevistas, estabeleci contactos. E o Córeon Dú tinha uma presença assídua nos episódios.

O que é que esta novela angolana tem de diferente das portuguesas?

O humor, definitivamente. Os angolanos são muito divertidos, mais do que os portugueses, isso permite ir um bocadinho mais além naquilo que são os núcleos cómicos. Cá, nos últimos dois, três anos os núcleos cómicos passaram a ter uma aceitação um bocadinho diferente, a Liliane Marise é um exemplo disso. Fenómeno que há dez anos não me parece que fosse possível na dramaturgia portuguesa. Mas o público angolano permite ir mais além, até nas próprias situações, o figurino também é diferente. As peripécias em Luanda são infinitamente mais surreais do que podem ser em Lisboa.

Era possível que uma novela angolana fosse exibida num canal privado?

Penso que sim. A partir do momento em que é possível passar uma novela em que toda a gente fala brasileiro, porque não? No início, achei que o Windeck podia ter alguma visibilidade, mas nunca que tivesse as audiências que tem. Meio milhão de espectadores na RTP1 à hora de almoço é significativo no nosso mercado, agora cabe aos programadores perceber o porquê disto acontecer. Mas isto tudo só faz sentido para mim porque posso contar histórias, quero é que as pessoas tenham um momento de prazer a ver aquilo que escrevi. A novela permite entrar diretamente na casa das pessoas e no coração.

Aos 33 anos já tem um longo percurso de ficção no currículo?

São quase dez anos. Comecei por trabalhar na NBP a fazer continuidade, e conheci o autor Rui Vilhena quando ele estava a fazer o Ninguém Como Tu. Gerou-se uma empatia grande. Esta vontade de escrever sempre existiu e mais tarde fiz um workshop com ele. Foi um casamento feliz e longo até ele ir para a TV Globo.

É ele o seu padrinho?

É, de facto. Aprendi muito com o Rui. Fiz o último ano da faculdade em Barcelona para me poder especializar em guionismo, mas há uma tarimba na prática que os livros não dão. O Rui é uma pessoa incontornável nas novelas. Ele é o meu grande mentor. Há um momento importante também na minha carreira, em 2007, quando fiz a masterclass com Aguinaldo Silva, também ele brasileiro. Não há como fugir, eles são os grandes mestres da ficção, mas sem nenhum desprimor pelos autores portugueses.

Acompanha alguma novela cá?

No último mês viajei imenso, perdi-me um bocadinho. Mas vejo sempre os primeiros episódios. Vi Belmonte, Sol de Inverno, tal como vi os primeiros episódios de novelas que passam no Brasil e que nunca passaram cá. Mas isso tem a ver com o meu trabalho, com a minha pesquisa. Estou sempre atenta ao que se passa aqui e no Brasil e algumas coisas na Argentina e na Venezuela, temos de estar sempre alerta.

O que acha das novelas que são feitas cá?

Nós evoluímos muito nos últimos dez anos em Portugal. Acho que se fazem coisas muito boas, mas também acho que não se deve nunca deixar de querer fazer melhor. Um lema que uso para mim. O meu medo é que se pare por aqui, espero que se continue a apostar em novos autores, que as pessoas mantenham sempre a vontade de fazer mais.

Que projetos está agora a desenvolver?

Estamos a arrancar com uma novela nova para Angola, Jikulumessu (Abre o Olho). Começamos a preparar no primeiro trimestre do ano, é uma novela muito densa, não tem a nada a ver com Windeck, tem outra linguagem. Fizemos muita pesquisa, muitas entrevistas, passámos muito tempo em Angola. Estou também a dar formação a dois guionistas angolanos para que um dia eles possam escrever uma novela deles.

Há uma maior responsabilidade?

Claro que sim. Mas há sempre, a novela que estou a escrever tem de ser a melhor, até começar a próxima.